quinta-feira, 10 de abril de 2025



Como jipes abatidos que nunca chegaram a guerra
vi seu câncer
explodir
através d´um pote de vidro 
de maionese Hellmann's
Tão grande quanto uma enorme maçã
marrom apodrecida...
Na branca parede da cozinha
escorreu o amarelado líquido
que outrora afogava 
o duro objeto
que habitava
- dolorosamente- 
dentro de ti
Todos se despedem
ao dobrar a esquina
no final da larga rodovia
Roubei um longo adeus
na drogaria
perto de casa
chamei uma nova canção
de "rubores encaixotados"
Minha mãe pediu-me
pra apagar a luz...
a escuridão 
sempre trouxe monstros adormecidos
no sótão
da cisterna
do lado externo 
da casa vizinha
Carrego um pedaço enegrecido 
- & petrificado -
do seu antigo fígado
amarelado
Frito um ovo numa faixa dourada
do sol de outono
Caminho até o batente
...da porta...
Estou sozinho
sem saber qual
passo dar...
Sigo o líquido
bilial do seu sorriso
evaporando sob
as marcas do meu
desgastado
tênis
azul.

Rodrigo Chagas
10/04/25

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Minha mãe ligou-me hoje cedo
- despertei atordoado -
Tia Flora havia morrido...
antes de desligar - ainda - me disse
"Não esqueça do casamento de sua prima Nora semana que vem"
Nem tive tempo
de contar o sonho dourado que tive
em que meus pés
eram feitos de bronze
& asas de cetim
saltavam plumas
aveludadas...
Falou-me tanto,
eu nada disse.
Tia Flora
embalando a
balança
até ferir-me
o joelho
ao debater-me
no
duro solo.
Abraçou-me
soprou a
dor e a ferida.
Assim foi-se Tia Flora
num telefonema
de domingo...
A ducha estava
fria
o ovo mexido gelado,
nem ao menos o café requentado
tinha gosto de ontem.
Coitada
Tia Flora & seu dente dourado
como os sábados
no parquinho do Bonfim.
Paro de choramingar
e o sol nos meus olhos
penetra minha catarata.
A atriz gorda sorri na televisão
Seguro-me na poltrona
& me levanto para segunda-feira.

Rodrigo Chagas.
04/12/24.

terça-feira, 11 de junho de 2024


Na ponta dos pés
tentando tocar o firmamento
assim
estava
você
quando nos conhecemos.
tolamente
pedi para acender
o seu cigarro
meu peito
em combustão
vulcânica
tossiu seu nome.
dentes amarelos
sorrindo
dizendo
o quão
tolinho
eu
era.
Calcei seus pés sujos & machucados
sem nem ao
menos lavá-los numa branca bacia esmaltada
para poder jogar
a água suja pela janela acima
& acertar o vizinho que
estridentemente
ouvia algo
sujo
que incomodava a nós 2.
Um par
de meias
furadas
naufragava
na tempestade
n´um longo varal azul.
Ligamos a luz
para afastar as baratas
deixamos as portas abertas
& as gavetas vazias.
Desvio o caminho do seu olhar
e erramos de direção.

Rodrigo Chagas
12/06/24

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Vim até aqui para ver
a beleza
- & a (im)perfeição -
do seu corpo desnudo...
Enquanto você es-bafora
fumaças acinzentadas pela janela
um judeu budista ecoa sua
anasalada voz pela
azulada sala
vazia
onde o luar
faz sua morada.
Nem a dura madeira
de uma cadeira velha
me faz deixar de
contemplar
todos os momentos
do seu corpo.
Lábios
beijaram
nossos
corpos
ao longo
dos dias
passados
antes de todos nós
& nossos desejos
amores & decepções.
Todo o mistério
desvelado
para outrem
que não
nós.
Para onde escoam
todas as curvas
dos nossos corpos
suados
ao longo desses tempos?
Sempre me comportei
como um garoto
desajeitado
diante de toda
maturidade
do seu desejo.
Não me encaixo
tão bem
dentro de sua coxa
como eu gostaria
- não sou mais jovem -
porém continuo desajeitado.
Sou um gato
fora
de uma caixa
arranhada
cansado de brincar
com a moldura eterna
do seu largo sorriso.
Ando cansado
e trôpego
cambaleando
com tornozelos
(re)torcidos
pelo destino
e passeios esburacados
com paralelepípedos esfacelados.
Talvez esteja na hora de um desajeitado adeus,
nunca fui bom com despedidas.
Enquanto você cantarola
que não é assim que deveríamos
abandonar-nos
à deriva numa nau desenfreada,
eu mergulho a bombordo
do meu coração
e perco o fôlego.
Não consigo vir a tona
respiro o líquido
salino
que minhas fossas
confundem
com um mucoso nariz
fungante e adunco
partido em mil
como nosso
sussurro
de mãos
atadas
turbilhão
adentro.


Rodrigo Chagas
21/09/23.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Tenho cada segundo
vivo
em
meus poros
direciono-me
para o campo
em silêncio
os pássaros
gor-gorjeiam
como
gralhas
roucas
grasnam
tão alto
até sua voz calar-se
nem ao menos tentamos
- de novo -
pela enésima vez
fracassar
a
todos os erros
anteriores
que nós
sabíamos
que cairiam
em vão
dos meus punhos
partidos
em rostos
desconhecidos
na penumbra
da escuridão
você nem quis ouvir-me
dizer
desculpa
novamente
ouvi o - seu - silencioso
adeus
ecoando
pelos
becos
&
vielas
das escadas partidas
de
azulejos
escarlates
de rubro sangue
Tento
de
maneira derrotista
escrever
mas tudo
a mim
abandona
as ideias
as canções
o triunfante
final que nunca vem...
no meu próprio
pesadelo
sonho com seu corpo
chacoalhando minha
mente
meus quadris...
os lençóis amarelos
voam pela janela
quero a tudo abandonar
meus pulsos prendem
panos rasgados
em cordas dilaceradas pela tormenta
talvez um outro dia
eu tente o fracasso
novamente.

Rodrigo Chagas
26/08/23  

terça-feira, 25 de abril de 2023

Escápula


Você não deu o ar da graça hoje.

Fiquei surpreso. 

Desconcertado...

Soquei o ar com tanta força que minhas lágrimas deslocaram minha omoplata.

Doeu mais toda a solidão do salão vazio
do que urrar ao chocar meu ombro contra a parede desmembrada.
...E nada voltou ao normal.

O telhado de zinco começou a uivar com a chuva a cântaros.

Saio na tormenta sem medo de me encharcar.
...Meus sapatos fazem um barulho engraçado ao caminhar...

Não enxergo as luzes dos carros por causa da minha distrofia.

Não há nada de divertido e poético nessas linhas desgrenhadas.

Tenho sido nocauteado pelo tempo,
derrotado pelas minhas próprias mãos,
Que não conduzem como deveria 
- o poema -
& a fuga nos meus óculos embaçados...
que a tudo...escondem.

Rodrigo Chagas
26/04/22.

segunda-feira, 27 de março de 2023

1 poema abandonado que nunca acabei


Após vc ter me deixado na estação de metrô

- do centro velho da cidade -

enquanto a chuva começava

a sua força 

segurei o pacote pardo

de pão

amarrado com um grosso barbante amarelo...

eu sabia de tudo que ia suceder


Você havia lido isso num poema

antigo que escrevi...


Uma formiga carregava um fardo maior que o meu

mas eu sentia o peso da chuva

- ainda fina -

cair sobre os meus ombros...


Rodrigo Chagas

10/06/22