quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Vim até aqui para ver
a beleza
- & a (im)perfeição -
do seu corpo desnudo...
Enquanto você es-bafora
fumaças acinzentadas pela janela
um judeu budista ecoa sua
anasalada voz pela
azulada sala
vazia
onde o luar
faz sua morada.
Nem a dura madeira
de uma cadeira velha
me faz deixar de
contemplar
todos os momentos
do seu corpo.
Lábios
beijaram
nossos
corpos
ao longo
dos dias
passados
antes de todos nós
& nossos desejos
amores & decepções.
Todo o mistério
desvelado
para outrem
que não
nós.
Para onde escoam
todas as curvas
dos nossos corpos
suados
ao longo desses tempos?
Sempre me comportei
como um garoto
desajeitado
diante de toda
maturidade
do seu desejo.
Não me encaixo
tão bem
dentro de sua coxa
como eu gostaria
- não sou mais jovem -
porém continuo desajeitado.
Sou um gato
fora
de uma caixa
arranhada
cansado de brincar
com a moldura eterna
do seu largo sorriso.
Ando cansado
e trôpego
cambaleando
com tornozelos
(re)torcidos
pelo destino
e passeios esburacados
com paralelepípedos esfacelados.
Talvez esteja na hora de um desajeitado adeus,
nunca fui bom com despedidas.
Enquanto você cantarola
que não é assim que deveríamos
abandonar-nos
à deriva numa nau desenfreada,
eu mergulho a bombordo
do meu coração
e perco o fôlego.
Não consigo vir a tona
respiro o líquido
salino
que minhas fossas
confundem
com um mucoso nariz
fungante e adunco
partido em mil
como nosso
sussurro
de mãos
atadas
turbilhão
adentro.


Rodrigo Chagas
21/09/23.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Tenho cada segundo
vivo
em
meus poros
direciono-me
para o campo
em silêncio
os pássaros
gor-gorjeiam
como
gralhas
roucas
grasnam
tão alto
até sua voz calar-se
nem ao menos tentamos
- de novo -
pela enésima vez
fracassar
a
todos os erros
anteriores
que nós
sabíamos
que cairiam
em vão
dos meus punhos
partidos
em rostos
desconhecidos
na penumbra
da escuridão
você nem quis ouvir-me
dizer
desculpa
novamente
ouvi o - seu - silencioso
adeus
ecoando
pelos
becos
&
vielas
das escadas partidas
de
azulejos
escarlates
de rubro sangue
Tento
de
maneira derrotista
escrever
mas tudo
a mim
abandona
as ideias
as canções
o triunfante
final que nunca vem...
no meu próprio
pesadelo
sonho com seu corpo
chacoalhando minha
mente
meus quadris...
os lençóis amarelos
voam pela janela
quero a tudo abandonar
meus pulsos prendem
panos rasgados
em cordas dilaceradas pela tormenta
talvez um outro dia
eu tente o fracasso
novamente.

Rodrigo Chagas
26/08/23  

terça-feira, 25 de abril de 2023

Escápula


Você não deu o ar da graça hoje.

Fiquei surpreso. 

Desconcertado...

Soquei o ar com tanta força que minhas lágrimas deslocaram minha omoplata.

Doeu mais toda a solidão do salão vazio
do que urrar ao chocar meu ombro contra a parede desmembrada.
...E nada voltou ao normal.

O telhado de zinco começou a uivar com a chuva a cântaros.

Saio na tormenta sem medo de me encharcar.
...Meus sapatos fazem um barulho engraçado ao caminhar...

Não enxergo as luzes dos carros por causa da minha distrofia.

Não há nada de divertido e poético nessas linhas desgrenhadas.

Tenho sido nocauteado pelo tempo,
derrotado pelas minhas próprias mãos,
Que não conduzem como deveria 
- o poema -
& a fuga nos meus óculos embaçados...
que a tudo...escondem.

Rodrigo Chagas
26/04/22.

segunda-feira, 27 de março de 2023

1 poema abandonado que nunca acabei


Após vc ter me deixado na estação de metrô

- do centro velho da cidade -

enquanto a chuva começava

a sua força 

segurei o pacote pardo

de pão

amarrado com um grosso barbante amarelo...

eu sabia de tudo que ia suceder


Você havia lido isso num poema

antigo que escrevi...


Uma formiga carregava um fardo maior que o meu

mas eu sentia o peso da chuva

- ainda fina -

cair sobre os meus ombros...


Rodrigo Chagas

10/06/22

domingo, 5 de junho de 2022

Tenho acordado tão cedo
antes do seu despertar
e do seu sorriso
de dentes irregulares...

Caminho 
- descalço -
entre os gatos
& o chão frio
acimentado

Gotículas...
milhares delas
caem no - quase - 
frio
firmamento
soteropolitano
tão distante de La Paz
tão distante de vc

Sua pequena cama
tão diminuta quantos
suas minúsculas mãos
ainda evapora
o meu desejo
não completado 
pelo seu corpo

Escovo os dentes
com a escova
que encontrei nas coisas encaixotadas
que vc apontou na noite anterior

tento engolir o café
e as coisas que vc me disse...

molho o rosto...
pego a sombrinha despedaçada
e os cacos do meu músculo torácico partido em miúdas partículas...

calço as botas
coloco esse poema no bolso
desaparecemos sob o céu cinza
tentando pensar em algo melhor para finalizar o que escrevinho
e vê-la gargalhar novamente...

a luz avermelha-se
o ônibus embaça minhas lentes
meu peito sufoca...

você docemente 
dorme na cama
em que eu desejava estar...
tenho sido a manhã
e vc a madrugada...
tão distantes...

Amanhã...volto com a chuva e as trovoadas
tão difícil abandonar esse poema
quanto acabar com você...

Rodrigo Chagas
05/06/22

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Texto que saiu no Site Olho Público.

Em setembro passado, fui convidado pra escrever uma coluna quinzenal no site "Olho Público", infelizmente o site logo parou e o projeto ficou só no 1o texto, abaixo coloco o texto que foi publicado no site, só troquei no lugar de "mastigando um charuto", coloque "mastigando uma cigarrilha", pois Hunter usa cigarilha, não sei porque cometi este equívoco, mas taí o texto da coluna:


"Sputter topa escrever uma coluna para o Olho Público?"

Foi assim o convite.

Aceitei na hora.

"Claro! Será uma honra, 'tiro de letra´, escrever sobre qualquer coisa é comigo mesmo...e a periodicidade é escolha minha? Pelo menos quinzenalmente? Oxe...só se for agora".

Pois "me enganei", a primeira coluna não seria isso que vos escrevo, seria outra cousa, logo eu que nunca me atraso em compromissos (teoricamente não me atrasei, estou aqui, tão vendo?), embora muita gente pense o contrário sobre isso...mas sempre faço tudo no prazo...quer dizer...acho eu...

Não foi um medo congelante que me paralisou, nem uma procrastinação ad eternum (o que seria um pleonasmo certo?)...o que foi que se aconteceu?

Não sei ao certo...viver "pequenos" momentos de prazer...perda de tempo em coisas fúteis (outro pleonasmo?)...vai saber...mas não rolou o que eu pensava...para a próxima coluna irá rolar?

Quem sabe...será melhor que essa? + original...quem sabe...outra dose por favor...eu que nem sou de beber...e nem de atrasar nas entregas...sou um tipo de "Pony Express" do sertão baiano...porém que na verdade vive a léguas & léguas de qualquer tipo de caatinga...vivo a beira mar praticamente...vigiado pelo Senhor do Bonfim...logo ali na colina sagrada...essa alegoria sertaneja não serve...sou mesmo um atemporal da cidade-baixa...bukóliko...mas não um atrasa lado...e nem coluna...eis aqui...ela...

Penso em Hunter Thompson, com uma viseira de poker, mastigando uma cigarrilha no canto da boca, chapado, dentro de uma banheira...bebericando algo...cortando toranjas...aqui em casa tem uma banheira verde...que não uso há uns 20 anos...não sou um hipster datilografando essas palavras...uso laptop...não possuo uma colt 45 para atirar nos morcegos imaginários Thompsianos...nem sou a favor de armentos & etc...gostaria de ver o que Hunther ou William Burroughs falariam para defender as armas...certamente eles colocariam de forma poética...porém não nasci no meio de cowboys e guerras geracionais...nem posso bebericar nada...hoje tomei hoje a minha 2a dose da Pfizer...dizem que não é bom beber...aliás...nem um grande bebedor eu sou...um sacrilégio falar isso no mesmo "parágrafo" onde cito Mr. Thompson...mas seria uma boa brindar a esse momento...que fora emocionante...peguei a bike...sai de Roma (em Salvador-Bahia mesmo), pedalei pela Calçada (o bairro, não em cima do passeio...se bem que passeio é só aqui na Bahia, em outros locais é denominado de calçada, e nessa cidade Soterópolis é também um bairro)...passei pelo Comércio, subi o Túnel Américo Simas...continuei pela Barroquinha (perto da Baixa do Sapateiros, onde a morena + frajola da Bahia negou um beijo ao velho Ary...Barroso)...e finalmente adentrei a nova Fonte Nova...que emoção...eu que não perdia um jogo do Esporte Clube Bahia nessa cidade desde Abril de 2016, não adentrava no estádio desde o começo da pandemia...que emoção...o verde campo...a vacina...o SUS (viva)...#forabolsonaro...poder estar mais seguro contra um vírus (& o desgoverno) que levaram centenas de milhares de pessoas nesse país...e no mundo...não pude brindar com uma cerva...nem como um gol...mas foi emocionante....

Estou aqui...às quase 4 da matina...careca que nem o Hunter...ficando velho...esperando o dia raiar para essa coluna sair...esperando dias menos piores do que os antes da terrível pandemia...poder sair as ruas...tocar...bater um baba...ir num jogo...encontrar as pessoas...viver um pouco...lembro do grande João Antônio, cujo livro "Todos os Contos", que paira na minha estante, lançada pela extinta Cosac Naify (aliás esse livro tá tão caro quanto o preço da gasolina, porém tá mais "barato" do que dantes, a cultura baixa...a gasolina não, mas eu ando de bike mesmo)...penso no que o grande mestre João falaria agora..."Saia da redação, ponha uma bermuda...sinta os pés na areia...procure um boteco aberto...sempre tem um...beba uma dose...não esqueça a do santo...toma uma cerva...celebre a escrita e a vida"...

Vou tentar mestre Antônio, só que a essa hora...sair pela cidade-baixa, procurando um boteco aberto...não é para os fracos que nem eu...vou usar a vacina como desculpa...celebro a vida...e fiquem com as letras aqui...as palavras...semana que vem...ou na outra...procurarei escrever algo e colocarei aqui...assim espero...estar aqui...e você também!


Rodrigo Chagas 14/09/21

sábado, 4 de dezembro de 2021

As Mercenárias.

Em Março desse ano, minha grande amiga, Sandra Coutinho, que dentre muitas coisas na música foi baixista da lendária banada paulista, As Mercenárias, me pediu para escrever um texto sobre a banda, pois ia sair na Europa um disco delas, na verdade não sabia que ia ser um relançamento em Vinil do 1o disco delas...sábado passado, ela me enviou um áudio dizendo que saiu o vinil e me enviou uma foto da parte do encarte...disse também que minha cópia está guardada, vou ver como será a logística de trazer esse vinil de SP para Salvador...eu fiz o texto creio que em cinco minutos...sentei e escrevi e nem revisiei...enviei para ela, abaixo eu nem revisei, apenas corrigi alguns erros de digitação...queria colocar aqui como ele - o texto - veio num fluxo de ideias...O Vinil saiu num selo espanhol, colocarei o link do selo gringo abaixo...achei que o texto sairia em espanho, mas na verdade saiu em inglês, eu havia pedido que me enviassem o texto para eu dar uma lida na tradução...porém isso não aconteceu...espero que não tenham comprometido a ideia...depois, quando o vinil chegar, darei uma olhada no texto...espero que gostem.


Link do Selo para quem quiser comprar o vinil, soube que o Selo Paulista, Baratos Afins (que lançou o vinil original em 1986), vai vender aqui no Brasil, mas não tenho o link deles, vai o gringo mesmo: 

https://www.forcedexposure.com/Catalog/mercenarias-cade-as-armas-lp/BEAT.083LP.html


E Abaixo vai o texto sobre As Mercenárias que escrevi:


Há anos Sandra Coutinho e eu "travamos" uma conversa "As Mercenárias eram Punks ou não"?

E a resposta desse questionamento poderia virar um livro, uma tese, um artigo.

Outra questão polêmica passados quase 40 anos desse álbum de estréia que vocês têm em suas mãos num relançamento "Importa se elas eram punks ou não?".

Uma resposta negativa para a pergunta acima "invalidaria" a lista (listas sempre polêmicas) de uma famosa revista brasileira que colocou esse disco entre os 5 melhores discos punks brasileiros?
É uma lista que vai validar a "punkitude" ou não da banda?

A importância da banda fica acima de ser ou não punk...eis a questão.

Uma coisa é certa a banda é de uma importância pro rock brasileiro (seja ele underground ou não), aliás não somente no âmbito nacional, mas também no internacional.

Não vou entrar no importante mérito de serem mulheres fazendo um puta som num época que isso era ultra raro, uma banda só de mulheres, ainda mais ultrapassando os estereótipos "femininos" (musicais ou não) da época.

Esse ábum (aliás dia desses li em algum lugar que era um EP e não uj LP, outra "catalogalização" desnecessária) é importante pela influência que ele trouxe pra época, pra cena musical, o choque sonoro e estético que trouxe. Porque é um álbum que não envelheceu um segundo sequer nessas quase 4 décadas (As letras então, ainda continuam atuais - não sei se isso é bom ou ruim...pois mostra que não evoluímos...se formos contar com a atual "política" brasileira, retrocedemos...e muito! Então é triste ver que letras que atacavam coisas reacionárias em 1986 possam ser ouvidas e como se fossem escritas ontem, porque pensávamos que no século XXI algumas coisas conservadoras seriam chutadas pelo traseiro esgoto abaixo...mas por outro lado as pessoas mais jovens podem saber que haviam pessoas que sempre estiveram lutando contra a corrente, por mais liberdade, contra o conservadorismo...estético, musical, político).

Sandra Coutinho contou-me que o público da banda era um pouco diferente das bandas punks daqueles anos 1980 em São Paulo, não que os punks não colassem no show e gostassem da banda, mas eram cenas, pessoas, públicos "diferentess". Porém as letras vorazes (e também poéticas) da banda tocavam de uma forma forte o público de uma forma, que muitas bandas ditas punks não conseguiam verbalizar em palavras. A força das músicas ao vivo tinha essa pegada mais forte, soando mais crua, com energia - e atitude - rocker, e o punk sempre procurou pela verdade e "crueza" das bandas, que jogasse a hipocrisia pra longe e colocasse pra fora toda aquela angústia reprimida, fosse ela nas canções ou no pogo.

Creio que o "rótulo" punk veio com o lançamento do disco e sua divulgação nacional (embora uma banda alternativa o disco teve uma boa aceitação na cena underground), na audição do disco com letras atacando a hipocrisia religiosa, violência policial, vári@s jovens ao ouvir aquilo, sentia-se representad@ nas letras...e o movimento punk já eclodia em praticamente todo território nacional, muitas bandas fazendo covers de "Santa Igreja", "Polícia" (que qualquer pessoa do subúrbio periferia vai se identifcar), além da fantástica canção de abertura "Me Perco Nesse Tempo", que certamente representava em música toda uma angústia sem esperança da juventude, mas com uma vontade de mudança, mesmo não sabendo em que direção seguir.

Com essa força musical e literária @s jovens punks no Brasil começaram a "adotar" a banda como sua, pois não viviam em São Paulo e não sabiam como era a cena punk lá, mesmo que conhecessem, não vivenciassem de perto como era a cena local na capital paulista. Foi assim que no começo dos anos 1990 eu conheci a banda em Salvador (Bahia). Andava com os punks locais e quando perguntei sobre a banda, que eu ouvia falar, mas não tinha tido acesso ao material, uma amiga falou pra "tenho certeza que você não ouviu, mas vai gostar, as meninas são foda", ela tinha razão, ouvi e pirei na banda.
Nunca havia me preocupado se eram punks ou não, mas que era uma banda incrível, e ao escutar o disco você sente outras influências musicais, mesmo que seja pós punk, mas eu gostava da banda pelo que a banda era, pelas suas canções e pela veracidade (e voracidade) que a banda trazia em si.

Comentei no começo do texto que eu e  Sandra Coutinho conversamos aos longos dos anos sobre "Ser ou Não Ser Uma Banda Punk", e para mim isso é complicado dizer que sim ou que não. Afinal um blues sujo e antigo pode ser mais punk , marginal, que uma banda punk atual.

No segundo disco da banda você escuta outras experiências sonoras, musicais, mas sem perder a veia rocker da banda, porém esse é um texto sobre o primeiro disco da banda, texto esse que não abrange a totalidade da importância musical e estética do disco de sua época até os dias atuais.

Deixo essa pergunta pra você responder...ou não...o que importa é ouvir, sentir, o disco...as canções!

Ouça! Ouça!

Sinta!

Isso é o que importa!

Escute as canções enquanto existimos...pois não sabemos quando vamos nos perder nesses tempos insanos em que sempre Vivemos.

Rodrigo "Sputter" Chagas
(Vocalista da banda The Honkers)
19/03/21