terça-feira, 11 de janeiro de 2011

23/12/07


Foi limpar a dentadura
e morreu.
Assim: Rápido e de repente.
Encontrei-o já morto.
Cheguei junto com seu filho
e encontrei o velho
corpo no chão
e a dentadura na pia.
1 marca de pancada na porta
com uma de sangue também
um pouco abaixo do lugar da porrada.
isso foi no Natal
do ano passado,
num dia quente como esse.
que cada dia mais
fica pior,
segundo os jornais.
coloquei-o no colo do seu filho,
na verdade nos braços dele...
Estava ele, o filho,
Sentado na privada,
e ele, o pai,
num pequeno banco de madeira que achei.
Peguei sua perna,
a do Sr º Morto,
cuidadosamente
e coloquei-a na posição correta,
para não machucá-lo,
mesmo ele - e a perna –
não tendo mais vida(s).
Olhar para pai & filho
Sentados daquela maneira
no banheiro
realmente
não foi nada animador
- e nem tem como ser -
ao tocar na morte do corpo
foi algo estranho,
mas não tanto quanto imaginava,
não tão pior quanto
saber que ele estava
realmente
morto.
Sabíamos disso,
mas nesse caso
queremos ficar até o último
minuto
acreditando
na vida.
Deve ser árduo
carregar
o cadáver
do próprio pai.
O peso da perda
é bem maior
que o da massa muscular,
mesmo que velha.
Tivemos que chamar
1 cara na rua
e eu + o homem,
da rua,
tivemos que carregar
o cadáver
pela casa,
assim como fazem
os açougueiros
carregando carne morta.
Fiz com cautela,
pela amizade com o corpo sem vida quando vivo.
Levei-o pelo chão
forrado de jornais,
olhando os antigos móveis
até chegar na cama,
até os médicos chegarem
e dizer
que ele
estava
realmente
morto.
1 medico,
dizem,
tem o saber
e a ciência
de distinguir
entre
a
vida
e
a
morte.
Eu suspeitava,
mas não queria
definir a morte
de um pai
em pleno Natal.
Deixei essa tarefa
para eles,
os médicos,
afinal são pagos
e estudam para isso.
É o que falam
os livros
e a História.
Lá estava ele,
O velho senhor,
no ano passado,
morto,
em cima da cama,
com a dentadura
colocada de volta
à sua boca.
Não tão bem colocada
como ele,
o Senhor Morto,
colocaria,
mas as suas mãos
- e ele -
não existiam mais,
nem naquela hora
e muito menos
Hoje.
O rabecão chegou
e levou o corpo
para geladeira..
Para ser aberto
no outro dia,
depois da ceia,
das luzes
que aparecem
e apagam.
& os curiosos
olhavam
& riam
para o corpo
dentro da cama
de ferro.
Nunca entendi
por quê as pessoas
olham & riem.
Talvez porque
dessa vez
não foi com
eles,
passou de longe,
nem raspou o travessão,
na verdade
eu acho que eles
são estúpidos,
mas no lugar deles
outros poderiam
fazer o mesmo.
Lembro da filha
do Sr º chegar
e me agradecer pela ajuda,
apesar de sinceramente não saber qual,
apenas removi a morte
de 1 cômodo para o outro,
mais limpo e honrado
do que um banheiro.
Ela chorando
perguntou-me
como falaria ao filho
que o avô morreu,
em pleno Natal,
no dia do aniversário
do filho dela,
e como ficaria
a festa e essas
coisas...
sinceramente
nunca entendi "essas coisas":
Natal, morte, festas...
Quem sabe
o coroa
na verdade
é quem estava
numa
bem melhor
que essa daqui,
que já acabou
faz tempo.
Acho que já
está na hora
do menino Jesus
desligar
as luzes
pisca-pisca (que vão e vem)
da manjedoura
e botar
suas mãos
- e trombetas –
em obra.


Rodrigo Chagas.
Salvador,
23/12/07.

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